Respeito: memória, moradia e orgulho na Pequena África
Na vergonhosa história da escravidão no Brasil, a zona portuária do Rio de Janeiro ficou marcada, nos séculos XVIII e XIX, pelo desembarque de milhares de africanos escravizados. O Cais do Valongo, aterrado por anos e redescoberto apenas recentemente, é a principal representação das políticas públicas que tentaram esquecer esse passado. A população da antiga zona portuária, majoritariamente negros e pobres, ainda resiste às tentativas de embranquecimento social, cultivando suas tradições. Seu futuro, entretanto, encontra-se em risco. A especulação imobiliária promovida pela operação urbana Porto Maravilha e a ausência de recursos públicos para a moradia social constituem uma grande ameaça para a permanência dessas famílias. Objetivando resgatar a memória e valorizar a cultura negra, foi proposto à UNESCO o reconhecimento do Sitio Arqueológico Cais do Valongo como Patrimônio da Humanidade. Contudo, a falta de políticas públicas que viabilizem a fixação das famílias afrodescendentes, principal valor simbólico desse patrimônio, poderá perpetuar a desigualdade social e o desrespeito de séculos. Nossa proposta, possível referência para outras áreas da zona portuária, é tornar a Rua São Francisco da Prainha em local de convivência para a comunidade afrodescendente do quilombo urbano Pedra do Sal. Propomos a sua transformação em rua de pedestres bem como a recuperação dos imóveis pertencentes ao quilombo, convertendo-os em usos residencial, comercial e cultural, que gerem trabalho e renda para a população. A promoção do respeito dar-se-á através: da regularização fundiária e recuperação do casario, utilizando recursos públicos em projetos que respeitem o patrimônio; da garantia de moradia digna às famílias, organizadas em associações, cooperativas de autogestão ou outros instrumentos de defesa contra o processo de gentrificação; da geração de renda para a comunidade e para a manutenção dos imóveis; e do resgate e preservação da memória, com atividades religiosas, gastronômicas e culturais que valorizem a matriz africana.
Anne-Marie Broudehoux é doutora em Arquitetura pela Universidade da Califórnia em Berkeley. É professora da Escola de Design da Université du Québec à Montréal desde 2002. Sua pesquisa, financiada pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Humanas do Canadá (CRSH), trata das transformações socioespaciais da zona portuária do Rio de Janeiro.
Helena Galiza é arquiteta e doutora em Urbanismo pela UFRJ. Trabalhou no governo federal com políticas públicas de reabilitação de áreas centrais, tema em que atua como pesquisadora acadêmica e ativista social, na assessoria técnica a movimentos que lutam pela moradia digna, incluindo as famílias do Quilombo Pedra do Sal.
João Carlos Monteiro é geógrafo, mestre em Planejamento Urbano e Regional e doutorando em Estudos Urbanos pela Université du Québec à Montréal. Há dez anos realiza pesquisas sobre a zona portuária do Rio de Janeiro, principalmente sobre o tema da habitação de interesse social.
Jonathan Simard é arquiteto e mestrando em Arquitetura pela Université Laval. Seu projeto final de mestrado trata da reabilitação de um edifício da comunidade quilombola Pedra do Sal. Ele foi responsável pela apresentação gráfica da proposta e participou da concepção do projeto.